Mais uma página em branco, prontinha para ser preenchida. Penso até ter iniciado outra bobagem escrita da mesma forma. Entretanto, nem tudo que começa igual tem desenvolvimento e decadência semelhantes.
Não gosto de primeira pessoa. E os deuses são cruéis.
Raios, trovões, tempestades. Deuses semelhantes aos homens na alvorada. Homens produtos de deuses ao anoitecer. A crueldade. Se alguém nos criou, quais as responsabilidades dele ou deles para conosco? É melhor que não saibamos. Quem diria a sua criatura que é o seu criador? Quem pode salvar daquilo que ninguém sabe o que exatamente é, porque não é preciso saber o que realmente seja. Besteira. Apenas é.
Inteligência Artificial, o filme. A associação, no fundo, é lá com o Gepeto. Sim. Gepeto e Dr. Frankenstein. Obviamente que essa comparação não é nada original. Ainda assim, vamos lá.
Ambos criam um ser a sua imagem e semelhança. Mas a relação criador/criatura tem dois aspectos contrários. Gepeto afeiçoa-se com o boneco de madeira animado pela fada azul. Pinóquio acredita que a fada azul pode transformá-lo em ser humano (talvez assim, ser igual ao criador). Não obstante, o safado mente em demasia. E quando mente o seu nariz cresce, quanto mais mente, mais cresce o nariz. Poderia ser fálico não fosse otorrino. Enfim, a relação Gepeto/Pinóquio é uma relação harmônica - ainda que muitas opiniões possam ser contrárias. Já o Dr. Frankenstein, bom, isso merece outro parágrafo.
Frankenstein é a criatura do homônimo cientista. A sua pergunta é: se não estavas preparado para dar-me a vida, porque me criaste? Essa é a questão que se faz o monstro. E o carpinteiro e o cientista caem na mesma cilada. Em outras palavras: a técnica e a ciência tropeçam na própria astúcia (mas não são quaisquer produtos capazes de tais encantamentos, em absoluto). Quiçá seja o mesmo desejo onírico de ambas, ciência e técnica, isto é, a perfeição. É o que aspiram. E, assim hipnotizadas diante da própria criação, a ciência com suas réguas em punho e a arte de cinzel na mão, gritam:
- Fala!
E se falassem, é muito provável que perguntariam a razão de sua existência. E poderiam dar-se as mãos. Poderiam se beijar. Frankenstein sai à procura do cientista por que quer acreditar. Pinóquio fica em companhia ao carpinteiro porque acredita. A arte conquista pela aproximação. A ciência obriga à busca incessante. E o vício é só mais um artifício.
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